MEMÓRIA DA ESCOLA DE TEATRO MARTINS PENA EM PERIÓDICOS

Resumo da atividade:

Realização de um grupo de pesquisa sobre a fundação da Escola Técnica Estadual de Teatro Martins Pena em 1910 e sua história, descrita (ou não) nos periódicos, na cidade do Rio de Janeiro. Para isso, vislumbra-se compor a criação de um grupo de trabalho com alunos, ex-alunos, funcionários e/ou professores, que estejam interessados em participar, utilizando-se metodologicamente de adequada pesquisa de fontes, com o propósito de expor os resultados progressivamente e publicá-los no site da escola (num campo nomeado como “Memória). O objetivo é compor aos poucos a história e trajetória da ETET Martins Pena, tornando essa informação facilmente acessível para toda a comunidade.

Professor responsável:

Luciano Loureiro.

Pré-requisito para participar:

Ser aluno, ex-aluno, professor ou funcionário da escola ou estar ligado a alguma outra instituição de pesquisa.

Número de vagas:

Não há número mínimo estabelecido a priori.

Maiores informações:

Para entrar em contato com o trabalho, enviar email para [ lucianocloureiro@gmail.com ].

Memória da ETET Martins Penna em periódicos

“A história se faz com documentos escritos, quando existem. Mas ela pode e deve ser feita com toda a engenhosidade do historiador… Com palavras e sinais. Paisagens e telhas. Formas de campos e ervas daninhas. Eclipses lunares e cordas de atrelagem. Análises de pedras pelos geólogos e de espadas de metal pelos químicos”. (Lucien Febvre)

A presente proposta tem como objetivo – para o ano de 2019 – a realização de uma pesquisa sobre a fundação da Escola Técnica Estadual de Teatro Martins Penna em 1910 e sua história descrita (ou não) nos jornais cariocas. O estrito objetivo dessa pesquisa vai na direção de tentar localizar, em periódicos da época, sua importância histórico-cultural na cidade do Rio de Janeiro.

Já na passagem do século XIX para o XX, a cidade do Rio de Janeiro manifestava explicitamente um desejo por ser moderna, conquistando patamares civilizatórios, irrompendo com velhas práticas coloniais e/ou monárquicas em prol de inovações capazes de inaugurar ares renovados para a República recém-inaugurada. Evidentemente, essas transformações não possuíam uma única narrativa e, por certo, guardavam um caráter belicoso por parte de diversos grupos intelectuais e políticos pela dominação cultural e, em desdobramento, pela dominação econômica e sua natural legitimação no meio social. A urbanidade para estes necessitava de ordenamento e de valores revigorados capazes de dar conta das novas demandas.Para tal, também se fazia necessário uma profícua renovação arquitetônica capaz de promover a devida interação social para essa reformada e moderna perspectiva de cidade.

O(s) conceito(s) de sociabilidade, e a indispensável, ou mesmo inexorável, mudança que deveria se seguir estavam diretamente ligadas a reconstrução de hábitos e costumes da população em meio a uma cidade refeita por novos prédios, largas avenidas, parques, ruas e cafés, onde a classe média poderia desfrutar de momentos de prazer e se beneficiar  da modernidade posta.

Entretanto, esta cidade reconstruída, moderna e bela não era para todos. Não podemos nos furtar em registrar que sua reurbanização significou não só a expulsão de imigrantes, mas, necessariamente, da população mestiça e negra com menor poder aquisitivo para áreas mais distantes do centro da cidade. Estes últimos excluídos, fundamentalmente, por serem considerados elementos perigosos à ordem pública e estarem em desalinho com as novas diretrizes sanitárias impostas pelas oligarquias republicanas.

Outro aspecto importante a ser revelado mostra-se em calorosos debates intelectuais relativos as relações entre modernismo e brasilidade. A própria pluralidade conceitual que se empunha sobre o que seria moderno, inserido em um ambiente cosmopolita, problematizava posições antagônicas entre, de um lado, a racionalidade científica e, de outro, espaços mais dedicados a manifestações simbólicas, onde a emoção galgava maior protagonismo em meio ao urbano.

O fato é que, a todo tempo durante o período, buscou-se inovações capazes de se fazer da cidade do Rio de Janeiro uma Paris tropical, firmadas pela ideia de consolidação entre o encontro com a civilidade europeia e uma definição de brasilidade.

Nesse caldeirão surge a Escola Dramática Municipal (hoje, ETET Martins Penna), a primeira escola de teatro do Brasil, e a pesquisa em questão tem como finalidade buscar informações, através dos periódicos do período. Para tal, entretanto, se faz necessário constituir certas indagações e a tentativa de respondê-las, buscando almejar a dimensão da sua criação e existência no centro da Capital Federal. Havia por parte da população,da classe política, intelectual, ou mesmo da própria imprensa, interesse pela escola e essa seria objeto de matérias jornalísticas? Qual a quantidade de informação a imprensa destacava sobre a escola e qual a qualidade dessas notícias? Seria a escola, nesse momento, um ambiente capaz de proporcionar novos exemplos de práticas sociais e de linguagem? Seria, ela, um exemplo do que se almejava enquanto moderno e brasileiro? Havia uma vontade em se discutir a escola, sua mediação com as artes e/ou produzir reflexões críticas sobre a mesma e o teatro na capital? Essas são algumas perguntas, entre tantas outras que poderão surgir, destacando, portanto, a relevância dessa proposta na direção de se obter dados e compreender em que grau a escola era refletida e discutida, sua importância e reverberação no contexto cultural da cidade.

Organização e metodologia para a pesquisa:

A partir do ano de 2019, compor a criação de um grupo de trabalho com alunos, ex-alunos, funcionários e/ou professores,utilizando-se metodologicamente de adequada pesquisa de fontes, com o propósito de expor os resultados progressivamente e publicá-los no site da escola, tornando essa informação acessível e compondo aos poucos sua história e trajetória para toda a comunidade.

A proposta é que esta pesquisa seja inicialmente dividida em três etapas:

A primeira visa um resgate, através das publicações de todos os jornais cariocas da época sobre a mesma no ano de 1910, inclui-se aí também levantamento em jornais de publicações anteriores a 1910 que já informassem o desejo do poder público e/ou, possivelmente, de elites intelectuais pela sua criação.

A segunda, a constituição de um painel historiográfico do período nas áreas culturais, políticas, econômicas e sociais da capital federal para se buscar compreender, ao menos parcialmente, em que ambiente a escola foi forjada e passa a existir.

A terceira, uma tentativa de elaborar hipóteses por sobre a fundação da escola e os motivos que levaram o poder público à sua concretude. O que poderia explicar os motivos de sua criação? Em que aspectos a criação da escola consorciava-se ou não aos interesses da República e seus anseios de progresso e modernização? Em que medida a criação da escola harmonizava-se com ideários civilizatórios, estéticos e políticos de uma burguesia urbana e ascendente e/ou de uma elite intelectual branca, euro-descendente, eurocentrista mais interessada em promover e valorizar uma cultura importada da Europa, especialmente francesa? Por fim, quando da sua fundação, a escola teria como princípio ser popular e acessível a uma população afrodescendente e mestiça de menor poder aquisitivo residente na cidade do Rio de Janeiro?

Cabe ainda enfatizar que, em todo esse processo, será fundamental dar a merecida e devida valorização a postura cientificista que a investigação histórica exige. Desse modo, o espaço de pesquisa e debate deverá ser circundado integralmente pelo recolhimento e emprego de fontes relevantes com a coleta e uso apropriado de informações recolhidas pelos envolvidos para a construção histórica de eventos, casos e conceitos.

Interessados em participar do grupo podem enviar um email para [ lucianocloureiro@gmail.com ].

Breve histórico da Escola de Teatro Martins Penna

Por Luciano Loureiro, em 14/04/2019.

A “Escola Dramática Municipal”, atual “Escola Técnica Estadual de Teatro Martins Penna” (ETETMP-RJ), é um curso técnico pós-médio e destina-se a formação de atores e atrizes. É a escola de teatro mais antiga do Brasil. Surgiu através do decreto 1.167 de 13 de janeiro de 1908, sendo sua aula inaugural em 15 de abril de 1910, como resultado do empenho de seu primeiro diretor, Coelho Netto. Com sua criação atrelada a fundação do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, seu objetivo inicial seria a preparação e criação de um corpo dramático para este. Contudo, esse intento nunca se efetivou, permanecendo como uma escola aberta à população.

Depois de enfrentar muitas dificuldades e ocupar diversos espaços no centro do Rio ao longo dos anos, Renato Vianna, em 1947,“[…] recebeu o convite do prefeito do Distrito Federal para dirigir a velha Escola Dramática Municipal. A instituição estava em vias de desaparecimento, ocupando uma sala emprestada na Praça Mauá, sem corpo docente, sem programa, sem nada. Renato gostou do desafio. […] e, em 1948, voltou a morar no Rio de Janeiro, assumindo a direção da escola fundada por Coelho Netto. De início, a transferiu para o Teatro Municipal, mas não achava adequado o espaço para o funcionamento da escola, tendo que dividí-lo com outras atividades. Logo conseguiu um próprio da Prefeitura exclusivamente para a Escola Dramática. […]”[1] E, em 1950, a escola encontra seu endereço, onde permanece até hoje: o Solar do Rio Branco, localizado na Rua Vinte de Abril, nº 14, próximo à Praça da República, um casarão neoclássico de 1835, tombado pelo IPHAN na década de 1930, onde nasceu o barão do Rio Branco.

A partir de 1953 passou a ter o nome do fundador da comédia brasileira, intitulando-se Escola Dramática Martins Penna. “[…] A velha escola foi renovada e revigorada. Modernizou seu programa didático e formou corpo docente com nomes de primeira linha da nossa cena, como Tomás Santa Rosa, Luiza Barreto Leite, José Oiticica, Carolina Sotto Mayor, Gustavo A. Dória, George Kossowski, […]”[2] além do próprio Renato Vianna.

Com o decreto 39.718 de 15 de agosto de 2006, o governo do estado do Rio de Janeiro transfere a administração da escola para a Fundação de Apoio À Escola Técnica do Estado do Rio de Janeiro -FAETEC, onde passa a ter seu atual nome. Ao completar 100 anos de existência, em reconhecimento a sua importância para o teatro, as artes e a cultura carioca e fluminense, em 2008 recebeu a “Medalha de Mérito Pedro Ernesto” da Câmara Municipal do Rio de Janeiro e em 2009 a “Medalha Tiradentes” da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Em 2015, a Lei Nº 7.104 de 13 de novembro, sancionada junto a Comissão de Cultura da ALERJ, declarou a Escola Técnica Estadual de Teatro Martins Penna como Patrimônio Imaterial do Estado do Rio de Janeiro.

[1] MILARÉ, Sebastião. O grande sonho do guerreiro da quimera: teatro-escola como um ideal. Olhares: memória, [São Paulo], n. 01, p.108-117, 2009. Disponível em: <http://www.celiahelena.com.br/olhares/index.php/olhares/article/view/15>. Acesso em: 13 abr. 2019.

[2] Idem. 

Escola Dramática Municipal

Transcrito por Luciano Loureiro, em 10/05/2019

“O Theatro Municipal do Rio de Janeiro, construído sumptuosamente, seria obra quase vã se não servisse a arte nacional, já aliás manifestada por algumas produções literárias do mais puro quilate.

O primeiro empresário o Sr. G. Rosa acertadamente entregou ao fino espírito de Coelho Netto a direção e organização da Escola dramática, que foi a 15 de abril inaugurada sob a presidência do Prefeito do Distrito, Dr. Serzedello Corrêa, e na presença do Presidente da República, Dr. Nilo Peçanha.

Tomando a palavra, Coelho Netto, que é o diretor e professor de Esthetica (sic) da nova escola, pronunciou o primoroso discurso que transcrevemos:

‘Fundar uma escola é construir no Futuro – só um edifíciopode avultar ao lado dela, o templo – assim ficarão contiguas duas eternidades: Deus e a alma.

Não sei de lavoura mais bela do que a do mestre e, entre o que espalha a sementeira no alfobre e o que incute o verbo no espírito é, sem dúvida, superior o segundo.

O pão da seara mitiga a fome de um dia, a instrução é alimento perene: pão é pasto; ideia é luz.

O lavrador planta para o corpo, o didata semeia para a alma.

É na escola que o povo se transforma em nação.

O alfabeto mantém o Passado no presente e singra para o Futuro. Barca sagrada, de vinte e cinco remeiros, vogando no Tempo, o alfabeto é mais misericordioso do que a arça, porque, salvando a tradição da Humanidade, espalha os cantos da revora do mundo na tristeza contemporânea, como aves da madrugada soltas no crepúsculo. Mais vale uma criança que jogue com o alfabeto do que uma horda ignara saídada Escuridão.

Não basta ser homem, é precisoser força, ter consciência de si e conhecimento da Vida.

A Esfingereaparece diariamente com o sol – é o mistério, e, se os esclarecidos lutam para decifrá-lo, que farão os míseros que desconhecem os caracteres da inscriçãofatal?

A escola é como uma torre alta a que se sobe por escaleirafulgida– de degrau em degrau mais a vista alcança descortinando o mundo, o universo, desde os horizontes rasos da terra até àsnebulosas suspensas em colgaduras rutilas.

A letraé voz, o número é pena – a palavra é o Verbo, emanação divina; o cálculo é asa que triunfano espaço. Com estas duas forças chega-seaté onde pode chegar o espírito.

Nos Aveugles, de Maeterlinck, há um símboloadmirávelque vem aqui a proposito.

Saem os cegos de um asilocom o seu guia. Passo a passo, contentes, enveredam em um bosque seguindo ao som da voz pastoral de quem os leva.

Com que enlevo ouvem o sussurro do folhedo, aspiram o cheiro acre das resinas, escutam o gorjeio dos pássaros, param, sorrindo, junto d’água que canta.

O guia, velhinho e enfermo, cansa. A sua voz detém-se a turba e o coitado, achando uma pedra a jeito, senta-se, inclina a fronte e ali fica, immóto.

Em torno os cegos cochicham, barbarizam, riem. Este estremece ao leve roçar da aza tênue de uma borboleta; aquele passa, repassa os dedos na casca rugosa do velho tronco; qual, agachado à beira d’água, refresca voluptuosamente as mãos na correnteza; qual, a cantar baixinho, macera entre os dedos folhas que trescalam. Mas o tempo corre e arrefece. Alguém murmura em tom sombrio: ‘Parece que vem vindo a noite.’ Aumenta o frio, transe; os ruídos tornam-se estrondosos.

Então, como o guia persiste calado, um cego chama-o. Silêncio. Repete o apelo em voz mais alta. Mutismo. Reclama-o, voz em grita e pávida. O bosque atroa soturno.

O medo espalha-se, comunica-se a todos e são todos a bradarem; alguns choram e, movendo-se, esbarram-se aos encontrões, tateiam, topam as mãos umas com as outras, tropeçam, abalroam nas árvores, magoam-se.

O nosso teatro é tavolado de feira – onde exclusivamente se mira ao lucro, usando-se de todos os meios torpes para o tornar mais grosso. Debalde Arthur Azevedo, sempre na brecha, procurou, com os salvados, refazer a antiga cena – todos os anos, nas proximidades doinverno, era infalível a irrupção da bacanal.

De desanimo em desanimo os poucos artistas nacionais, fies à Arte, cederam o campo aos invasores, indo, como no tempo de Scarron, jornadear nas províncias no velho carro que, desde Téspis, leva pelos campos o tirso de Dionísio.

Teve a cidade, entre os monumentos com que foi dotada, um teatro sumptuoso. É esplendido, não há negar; mas lembra a cabeça de cera que menciona a fábula: formosa, mas vazia. Dê-se-lhe(sic)a alma que lhe falta e será maravilha.

A poesia dramática encaminha-se a novo rumo, é preciso segui-la atentamente e os nossos velhos vão-lhe(sic) no encalço. Não sou pessimista como Philaréte Charles que, já no seu tempo, aludia à falência desse gênero:

‘C’en est fait desjeux de lascène; laluttedespassionsaveclecaractère, et de notredestinéeavec nos désirs, n’offrepas de nouveauté. C’est une vieillehistoiresouventredite, un conte rebattu, dontl’intérêts’estémoussé.’

Não subscrevo tampouco a linda frase de madame de Stael: ‘Touslesvoiles de l’âmesontdéchirés.’

Não, a alma é como o sol, invariável na essência, mas sempre nova nas manifestações, como os dias que se repetem, mas sempre com imprevistos. Os séculos trazem o seu cortejo de paixões, de nevroses, de delírios e de sonhos – tudo está em procurar o fato, estudá-lo, desenvolvê-lo e projetá-lo na cena.

Demais, o Teatro é preciso ver o que aparece, atendendo, porém, à grande Força anônima que gera o drama – o Povo.

O ator interpreta o poeta, o poeta interpreta o Povo, o Povo interpreta o tempo. Assim é a Vida que aparece no Teatroem clarões mais ou menos intensos – ora pálidos, ora rubros, ora violáceos, ora cerúleos, mas sempre a Vida.

E, para termos a Poesia da nossa vida, desde a de um simples individuo até o grande eposdoPovo, faltava-nos o teatro – corpo e alma. Do corpo é esta casa um membro…alma… alma? Está, talvez, comnoso (sic), quem sabe?

A escola começa com 138 alunos. Um basta para enaltecê-la,reivindicando para o Teatro Brasileiro as glórias perdidas. Não nos retire o Prefeito o seu patrocínio, valha-nos sempre a Providência com a sua Graça e talvez, em breve, vejamos repontar à flor do palco o novedio daflora intelectual que esmarriu desprezada e quase pereceu sob o gelo daindiferença e espezinhada pelos sátiros caprisaltantes.

Não nos falta coragem. Tenhamos fé e… avante!

Já um deles anuncia tormenta, outro faz notar um escacho, e sussurra aterradamente:É o mar! Aumenta a balburdia, é um torvelinho de espectros no crepúsculo pálido até que uma voz brada no tumultuar do desespero: ‘Que o menino veja!’

É o pequenino filho de uma cega, único ser que vê entre tantos obliterados.

A mãe levanta-o nos braços trêmulos, todas as mãos elevam-se, agitam-se na ânsia de tomarem e suspenderem aquele que vê e bradam-lhe: ‘Olha!’ E os olhos inocentes da criança veem por todos os cegos.

Esse olhar é um esplendor na treva, é uma estrela dentro da noite!

Símbolo admirável!

Assim como o olhar do infante é o brilho da inteligência e é na escola que ela se acende para luzir, tornando-se um astro na alma.

O diamante em natureza é pedra opaca: o lapidário muda-o em fulguração.

Os governos deviam celebrar com festa as inaugurações das escolas, focos de claridade que fazem mais pela glória, pela prosperidade e pela defesa da Pátria, do que todos os aparelhos de aço com que a possam blindar.

A escola que aqui se inaugura, sob o patrocínio da cidade, não é das que iniciam a inteligência no trato das letras – a sua instrução, guiada para o conhecimento da alma, será uma como mimeses.

Aqui o aluno virá aprender a reproduzir as emoções humanas, desde a que ri, na comédia, até a que alucina e desfigura na tragédia; refletirá como um espelho e, reproduzindo a alegria ou o sofrimento, será, ao mesmo tempo, o interprete da nossa poesia dramática, tanto tempo e humilhantemente açacanhadapelo códace(sic) obsceno; virá afinar o seu dizer pela nossa prosódia, sem, todavia, sacrificar o vernáculo, senão apurando-o no falar estreme; virá exercitar na arte da cena movendo-se com elegância, ouvindo com discrição, atalhado com o proposito, dialogando com distinção, sabendo estar em todas as atitudes, sem comprometer a graça com jeito canhestro do pastrano nem afetar, até ao ridículo, a posição e o jeito; virá, enfim, ter ideias gerais do belo e conhecer a historia do teatro, desde os grandes dias dionisíacos até ao referver da vida intensa deste século.

Já era tempo de termos esta didascália.

Prátinas, um dos reformadores do teatro grego, fez, em torno do thimelo (sic), um trabalho, talvez superior ao de Hercules na Élida. Foi ele, diz Paul de Saint Victor, que expulsou os sátiros da Tragédia, como bando de capros que conspurcasse um templo levantado nocampo que lhes fora pastura.

Repulsando-os da arte nobre, levou-os de corrida para um corveiro onde pudessem marrar, berrar, cabriolar e tresandar à vontade – e foi o drama satírico – espécie de alfurja,indispensável na trilogia para despejo da sordície.

Faltou-nos um homem de energia que se opusesse à invasão hircanae os caprípedes irromperam de todos os rincões, às upas, e invadiram o palco brasileiro enxotando os que nele procuravam continuar a tradição dos augustos de João Caetano e Peregrino, Ismênia e Appollonia e ainda de Furtado Coelho, Lucinda e seus discípulos.

Fonte: ESCOLA Dramática Municipal. Almanaque Brasileiro Garnier, Rio de Janeiro, n. 09, p. 481-484, 1911. Disponível em: http://hemerotecadigital.bn.br/acervo-digital/almanaque-garnier/348449